quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Quanto luxo aguenta a Comporta?

Os sapateiros olham para os pés, os polícias para os melhores locais para caçar infratores, certos cronistas para o lado irónico do momento. No final da passadeira que leva à praia do Pego a vista é total: são quase 60 quilómetros de areal que bordejam aquela curva protegida das nortadas que vai da península de Tróia até Sines. A praia do Pego, a abaixo da do Carvalhal é onde está a pequena multidão de pessoas que fugiu das grandes multidões de gente. Mas o que captou a minha atenção foi o Mexia da EDP, ou melhor o facto de em redor do lugar onde "o António" repousava, alguns pares de praia estarem a ler atentamente nas palhotas a entrevista de vida do CEO da EDP à Única, onde este demonstrava o seu merecimento por bónus de gestão. E se dúvidas houvessem ali estava: enquanto ele repousava, os outros absorviam as suas explicações em dia de descanso.


Ah, a Comporta... hoje já é um nome que como diria o nosso primeiro já tem "gléimour". Façam o exercício de ir ao Google Earth e perceber o que se trata, aquela língua de areia que esteve esquecida por obra e graça do Espírito Santo e de um horrível erro que foi a Torralta e que serviu como espanta-chiques logo à entrada. Deduzo que os mosquitos do sapal também tiveram sua parte de dissuasão.

Há uma década que no Sol Tróia, um condomínio poucos quilómetros depois de se sair do ferry, já era possível antever que a área se iria tornar um must. Aos sábados de manhã na fila do Expresso dava para captar a fauna: uns presidentes do PSI-20, uns Compromissos Portugal, uns Cabeças Falantes da TV, um general na reserva a gerir o condo - mas aquilo era casinhota de fim de semana de inverno. Tróia só passou a ser Comporta quando Sócrates destruiu com uma caixa de dinamite falsa as torres da Sonae. Mas aí quem queria comprar já tinha de pagar muito, mas muito caro.

O areal tem mesmo uma zona completamente virgem. Tal deve-se ao facto de uma das praias servir o Estabelecimento Prisional de Pinheiro da Cruz - que há vários anos está para dar lugar a um empreendimento de luxo. O negócio estará a acontecer nestes dias e os interessados são os do costume - mais uns espanhóis - e li algures que o Estado queria encaixar umas largas dezenas de milhões de euros. Mas isso era em 2008. Com tanto projeto em Tróia, Comporta e Melides a Grândola Vila Morena será brevemente a capital nacional do resort de luxo. Embora esta gente do dinheiro seja muito instável e ainda se mude para outro spot.

E a prisão estava ali a fazer de tampão. São 1500 hectares. Passei lá uma temporada nos anos 90. Os serviços prisionais tinham-na como modelo após a restruturação imposta pela brutal e assassina fuga dos Cavacos. Marques Pinto, o homem que dirigira a ponte aérea de Nova Lisboa, com recursos escassos fez dela um orgulho para mostrar a jornalista. A prisão tornou-se famosa pelo vinho e era auto-suficiente. E os presos tinham vários regimes. Os que vegetavam em celas com balde e tinham vida de prisão. Os que saíam de manhã iam trabalhar e voltavam, num regime semilivre. E os que viviam em montes na propriedade. Mas neste mundo de homens que não eram anjos havia um detalhe. Quem prevaricasse na imensa lista de pecadilhos (beber um copo de vinho) perdia tudo e era recambiado para vida de cela. Marques Pinto a entrar no pátio da prisão foi o que mais perto vi de um deus na Terra.

Os quem têm "Comporta" no seu vocabulário de sempre terão eventualmente a sua casita escondida no pinhal em plena área protegida e veem este pipocar de luxo com alguma apreensão. E trará emprego à zona? Não sei não. Este cronista viu-se obrigado a ficar numa residencial nova em Brejos, o típico caixote inacabado. Duas voltas ao dito e nada de receção. No telhado um número de telefone. A senhora: "Então para entrar tem de meter o cartão magnético na porta da rua." Resposta: "Mas eu não tenho cartão." "Claro, tem de o vir buscar à Comporta."

Senhoras e senhores: eis a pensão rooms/zimmers/chambers com cartão magnético e recepção a 6 quilómetros.


Lado irónico - Dance Party na praia do Carvalhal. Toda a noite! Coisa de Ibiza? Milhares de pessoas no areal. Mas ao perto percebe-se que é o equivalente a um baile de bombeiros de aldeia versão 2010, agora na praia, em vez do grupo, um DJ e adicionaram umas pastilhas às cervejas e charros deixando um imenso chavascal na praia. Mas a dinâmica de expectativas, a interação entre adolescentes era a mesma do velho baile na Casa do Povo agora com ecstasy na carola



Texto publicado na edição da Única de 31 de julho de 2010

in: Expresso por Luis Pedro Nunes

5 comentários:

Anónimo disse...

O caixote do brejo é irmão dos caixotes da Comporta e a proprietária é a mesma,(mesma caca...)

Anónimo disse...

Poema erótico de Drummond de Andrade

"Satânico é meu pensamento a teu respeito, e ardente é o meu desejo de apertar-te em minha mão, numa sede de vingança incontestável pelo que me fizeste ontem.

A noite era quente e calma e eu estava em minha cama, quando, sorrateiramente, te aproximaste. Encostaste o teu corpo sem roupa no meu corpo nu, sem o mínimo pudor! Percebendo minha aparente indiferença, aconchegaste-te a mim e mordeste-me sem escrúpulos. Até nos mais íntimos lugares. Eu adormeci.

Hoje quando acordei, procurei-te numa ânsia ardente, mas em vão. Deixaste em meu corpo e no lençol provas irrefutáveis do que entre nós ocorreu durante a noite.

Esta noite recolho-me mais cedo, para na mesma cama te esperar. Quando chegares, quero-te agarrar com avidez e força. Quero-te apertar com todas as forças de minhas mãos. Só descansarei quando vir sair o sangue quente do teu corpo.

Só assim, livrar-me-ei de ti, mosquito Filho da Puta!"

PM disse...

Ó Pina agora é Comporta sem porta, entram todos.

“Com porta”

Eu ainda sou do tempo em que a Comporta tinha porta, sim era Comporta com porta, a sua porta era representada pela impossibilidade de lá chegar pois a língua negra de asfalto terminava um pouco depois do cruzamento para Murta, por obra e graça do espírito santo, só se passava de jipe ou tractor, recursos então ao alcance de poucos.

Assim algumas das vezes aproveitávamos para ir até Murta comer uma sopa de tomate numa tasca que lá havia, pertença de um simpático casal, o sítio tinha uma modesta sala de refeições no casario que circundava uma praça de terra batida, depois da dita sopa regressávamos a casa, pois já sabemos aquela era uma via sem saída, mas ao menos saímos de lá com o estômago reconfortado.

Nessa época se queríamos ir à Comporta só era possível dando a volta por Grândola, mas como os recursos eram escassos acabava-se quase sempre a banhos na lagoa de Melides que o mar aí sempre foi perigoso, os carros e estradas não eram como os de agora, o que tornava um dia de lagoa numa verdadeira aventura, estada e viagens incluídas.

Para terem uma ideia nesse tempo no veículo transportava-se sempre um garrafão com água, não para matar a sede, mas para dar de beber ao radiador e não faltavam também um alicate universal, uma chave de fendas e a célebre correia da ventoinha, não fosse o diabo tecê-las e era sempre melhor que a lotação fosse completa, isto para o caso de ser necessário empurrar a viatura.

Veio depois o tempo em que a estrada se estendeu até à Comporta, o tempo em que a Tróia era do povo, existia lá um parque de campismo imenso sempre povoado de tendas, roulotes, íamos de quando em vez à imensa piscina da Torralta, serviam por lá um sorvete em copo de plástico, tinha em casa uma imensidão desses copos, serviam para fazer castelos e outras construções que a imaginação ditasse.

Imaginem lá que nem sequer era preciso ficar no parque de campismo, acampávamos nas dunas e praias, um pouco por toda a costa vicentina, nem me lembro bem se na altura já seria vicentina, mas que eram umas férias à maneira lá isso eram, outros tempos em que as Troias e Comportas eram frequentadas quase e só por malta desta e eu ainda sou desse tempo.

Isto é que é ser velho...será do século passado? Com toda a certeza...o século passado ainda foi há tão pouco tempo.

Será que essa era a melhor Comporta? Não concordo. Gosto muito mais do movimento que hoje por lá se vive. Gente gira, perfumada, de linguajar arrastado. E a loja da ti Fernanda, uma maravilha, não há muitas assim, nem pela capital. Por isso abençoado tempo moderno. Venha o reboliço e o ambiente selecto! E só mais uma coisa...eu nem gosto lá muito de sopa de tomate!

Nota da redacção: estes dois últimos parágrafos são da tonta da Maria que resolveu sabotar-me o artigo.

Anónimo disse...

No amplo e ermo degredo

No amplo e ermo degredo
Da Noite enorme incriada,
Acesso ao átrio do medo,
Reverso a negro do Nada.

Erra uma asa, partida,
Dum qualquer pássaro morto,
Que só porque erra tem vida
No mar do nada sem porto.

É quando passa e projecta
Na Sombra sombra erradia
Que nasce a mãe dum poeta
E se concebe a poesia.


Um voo cego a nada, Reinaldo Ferreira

http://alfarrabio.di.uminho.pt/reinaldo/reinaldo2.html#36

veraodourado disse...

sem duvida o que já foi em tempo o paraiso dos pobres(como eu)que tinha que vir de comboio de alcacer para o quebedo e ir de ferry até troia para ás 16 horas fazer a viagem de regresso,é ironico pensar o que os pipocas conseguem fazer quando colocam a pipoca a funcionar,neste caso bem que a dita podia avariar e deixar esse pequeno paraiso ao sabor do vento,da vontade dos poucos habitantes,das mares e deixar a magia dessas imensas praias para quem as ama não por ser o must ou ser spot ou in mas porque faz parte da sua vida...vai-te embora ou melga...é caso para dizer...